A disposição das linhas


Gratuita: 20 vagas 

15 de agosto de 2025, 14h—18h

Centro Cultural de Aracaju (Praça General Valadão, n. 134, bairro Centro)


Em todo o ato de escrita, há um caráter plástico. As linhas se sobrepõem umas às outras, assim como as palavras seguem umas após as outras, assemelhando-se a desenhos e a inscrições numa página. São imagens que, segundo Paul B. Preciado, transformam-se em “sequências móveis” graças ao olhar. São imagens que, em alguma medida, consolidam-se como “tempo articulado”. Eis o que persegue a oficina “A disposição das linhas” antes de qualquer coisa: uma reflexão a respeito da plasticidade dos textos, que seriam, para o filósofo espanhol, uma espécie de cinema “antes do cinema retroprojetado pela retina para o cérebro”. Preciado se baseia na teoria da performatividade da linguagem de William Burroughs para inverter a ordem das relações entre escrita e fala, admitindo que aquela surgiu primeiro: “todos [animais humanos e não humanos] falamos, cada uma seu modo, alguns com gritos guturais, outros com belos cantos; a diferença está na escrita”. Linguagem, para o par Preciado e Burroughs, tem menos a ver com transmitir que com contaminar, e a escrita “é sempre contaminação”.


Manipular a plasticidade dos textos é se engajar não só com as palavras, mas também com os sinais de pontuação — a bem da verdade, com todos os signos gráficos —, diante dos quais um escritor, segundo Theodor W. Adorno, pode se encontrar em perigo. Para ele, ao ter controle sobre si mesmo durante o ato de escrita, o sujeito reconheceria a impossibilidade de aplicar sinais de pontuação corretamente: “as exigências das regras de pontuação são incompatíveis com as necessidades subjetivas de lógica e expressão”, afirma o filósofo da Escola de Frankfurt. No entanto, insistimos na escrita, logo nos recursos para a escrita, que ganham certa centralidade na leitura das crônicas de Clarice Lispector por Georges Didi-Huberman. O hífen, de acordo com ele, seria uma maneira de “tentar uma reciprocidade onde reina a diferença e até mesmo a dissimetria”, uma vez que Lispector os insere entre coisas e entre seres como se fossem ferramentas para construção de passagens.


Na oficina “A disposição das linhas”, buscamos formas de amplificar o trabalho de escrita — artística ou crítica em prosa —, reconhecendo que, nos dois casos, é preciso desenrolar estratégias de composição que deem conta das singularidades dos objetos e dos sujeitos, até que as posições permaneçam indeterminadas. Passamos a maior parte do tempo em contato com textos para reconhecer as dimensões performáticas e plásticas, ao mesmo tempo que o valor operacional que eclode, direta ou indiretamente, de cada um deles. Em alguns momentos, circulamos entre materiais que articulam uma resposta à experiência estética, dentro da qual a imaginação pode “atuar de modo mais livre e produtivo”, segundo Luiz Camillo Osorio — crendo, como ele, que a “última reserva de nossa capacidade de espanto” está no território da estética. Ao final, propomos um exercício de escrita que possa tanto recuperar tópicos da parte expositiva quanto fazê-los avançar, um após o outro.


Roteiro


1. A prosa como transposição: 

— Introdução à oficina;

— Consideração de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, sobre prosa e verso;

— Leitura do capítulo “Dizer! Saber dizer!”, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa;

— Considerações de Luiz Camillo Osorio sobre a vontade de escrever e falar depois do contato com uma obra de arte;

— Leitura de Razões da crítica, de Luiz Camillo Osorio.


2. O tempo articulado:

— Considerações de Paul B. Preciado sobre a teoria da performatividade da linguagem de William Burroughs;

— Leitura do capítulo “Heroína eletrônica”, de Dysphoria mundi, de Paul B. Preciado;

— Considerações de Theodor W. Adorno sobre os sinais de pontuação;

— Leitura do ensaio “Sinais de Pontuação”, de Theodor W. Adorno;

— Considerações de Georges Didi-Huberman sobre o hífen nas crônicas de Clarice Lispector;

— Leitura de A vertical das emoções, de Georges Didi-Huberman.


3. A disposição das linhas:

— Introdução ao exercício de escrita;

— Leitura dos textos;

— Finalização da oficina.


Referências


ADORNO, Theodor W. Sinais de pontuação. In: ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I. Tradução de Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2012, p. 141-149.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A vertical das emoções: as crônicas de Clarice Lispector. Tradução de Eduardo Jorge de Oliveira. Belo Horizonte: Relicário, 2021.

OSORIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

PESSOA, Fernando. Dizer! Saber Dizer!. In: PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 353-402.

PRECIADO, Paul B. Heroína eletrônica. In: PRECIADO, Paul B. Dysphoria mundi: O som do mundo desmoronando. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2023, p. 65-76.


§


Esta oficina faz parte do evento de lançamento do livro Imagens em deslocamento: percursos em Arte e Antropologia (Editora Criação, 2025), que foi organizado por Marina Cavalcante Vieira, Luís Matheus Brito Meneses e Lucas Vieira Santos Silva. A cerimônia de lançamento começa às 18h30, no dia 15 agosto, também no Centro Cultural de Aracaju. 


Organização

Coletivo Peia (Performance, imagem e arte) e Programa de Pós-Graduação de Antropologia (PPGA), da UFS (Universidade Federal de Sergipe).


Apoio 

Centro Cultural de Aracaju, Funcaju (Fundação Cultural Cidade de Aracaju) e Prefeitura de Aracaju.