Composição da vigília 


Performance

Leitura com projeção de vídeos

10’

2024


Fiz a performance “Composição da vigília” para integrar a cerimônia da abertura da exposição coletiva “Deslugar”, do Coletivo Incorpórea, no Atelier Davi Cavalcante, em Aracaju. Na primeira parte, a apresentação consiste na leitura de três poemas — “Perímetro urbano”, “Brecha labirinto vestígio” e “Composição da vigília” — e projeção de um vídeo com trinta fotografias em ângulo plongée. Na segunda parte, a apresentação consiste na leitura de outro poema — “Da justaposição” —, que é, por sua vez, uma reflexão a respeito da leitura anterior — no final, projeto um recorte de 49 segundos do vídeo principal. 


*


Da justaposição


Há pouco, li uma sequência de poemas

que foi escrita e reescrita entre 

agosto de 2023 e maio de 2024.


Anterior aos poemas, são as imagens: 

uma série fotográfica do dia 14 de fevereiro de 2020, 

ou seja, mais de quatro anos atrás. 


Nessa combinação, está um artifício.

Criei uma relação para elementos que,

de outra forma, não construiriam vínculo.


O vínculo é arbitrário e efêmero, 

exceto por uma qualidade que é inerente

à escrita e à fotografia — aqui, dois atos que dependem

da observação, afinal.


Da inspeção, da vigilância. 

Do outro e de mim mesma. 


Isso fica evidente quando lembro que,

na tarde 14 de fevereiro de 2020,

cheguei ao segundo andar de um prédio

no Centro de Aracaju. 


De lá, observei os transeuntes

e, para fotografá-los, fiz o uso 

de uma lente de 50 milímetros.


Sem ela, não chegaria a um resultado satisfatório

— daquele ponto de vista,

do ângulo plongée — da visão vertical.

Àquela tarde, pratiquei uma espécie de voyeurismo.


E, como voyeur, me excitei com aquilo que vi.

A passagem das pessoas e as formas ali produzidas.

As formas à distância. 


Me excitei, pois vi sem ser vista. 

Fotografei sem ser vista.

Fiquei à vontade do início ao fim. Em segurança.


Criei, assim, um vínculo entre pessoas sem vínculos, 

exceto pela dupla — um homem e uma mulher —

que, no meio tarde, trocaram cumprimentos.


Eles ocupam três quadros: entre dois minutos 

e trinta e quatro segundos e dois minutos 

e cinquenta e cinco segundos. Mais ou menos. 

Eles formam a única repetição.


Ao todo, o vídeo possui quatro minutos e doze segundos

e, para preenchê-lo não só com imagens, adequei 

minha leitura a esse tempo, adequei 

na medida do possível, com medo da falta de sincronia.


De um prédio no Centro, fiz uma atalaia.

Isto é, um lugar de onde se observa ou se vigia.

Algo ou alguém. De onde observei o outro 

— o anônimo —

e a mim mesma.


Há pouco, reuni trinta fotografias, 

para as quais não encontrei uma função

— exceto agora: 

um vínculo arbitrário e efêmero.


Em quarenta e nove segundos de vídeo, 

manipulei uma fotografia de outra forma

— aproximando, aproximando, aproximando,

até que não houvesse mais um motivo 

pelo qual insistir na inspeção.


Inspeção e repetição. Inspeção e justaposição.

Inspeção e repetição. Inspeção e justaposição.